EXERCÍCIO DE FUTUROLOGIA: O FUTURO DO ORIENTE MÉDIO – PARTE II
Paramos na iminência da invasão ao Irã. Como já havíamos dito, o Irã oferece muito mais desafios a uma força ocupante do que o Iraque. É um país enorme, com mais de 70 milhões de habitantes, com um relevo cheio de cordilheiras altas, onde a vantagem da defesa é óbvia. Além disso, tem o domínio do estreito de Ormuz, por onde passa boa parte do petróleo extraído no Golfo Pérsico, vital para o abastecimento do mundo. Mas a força do exército que se reunirá para atacá-lo é simplesmente irresistível: a tecnologia da OTAN conjugada com o potencial humano chinês (e será uma boa oportunidade para ver o potencial bélico chinês em ação numa guerra).
A marinha e a força aérea iranianas serão destroçadas sem sequer entrar em operação. Com o domínio dos ares, os bombardeios ao exército e às instalações do governo serão ininterruptos e implacáveis, não dando aos governantes e generais persas a oportunidade de dirigir os esforços de guerra. Com linhas de comunicação e suprimentos bastante atacadas, o exército do Irã será esmagado em questão de semanas; não três, como no Iraque, mas não mais do que dez. Alguém pode mencionar o exército de homens-bomba que segundo consta já anda na casa dos cinqüenta mil. Este “exército”, no entanto, terá inúmeras dificuldades para desempenhar papel relevante no conflito: como já foi dito, as dificuldades de comunicação serão enormes, bem como a de lançar tais soldados nos pontos onde podem exercer maior impacto. Além do mais, é um exército no qual a perda de elementos de combate é constante e irreversível, tendo que ser constantemente abastecido. Caso venha a funcionar, tanto pior: a morte sucessiva de combatentes drenará os recursos humanos do exército necessários para a manutenção da campanha. Historicamente, atentados suicidas funcionam bem como táticas de terrorismo. Como tática de guerra, jamais na longa história de conflitos da humanidade ela foi bem sucedida, e os kamikazes estão aí para provar.
Terminada a campanha, começariam as dificuldades de reconstrução da infra-estrutura do país e de estabelecimento de um governo pós-guerra. Quem imagina um Iraque versão GG, a meu ver, vai quebrar a cara. Primeiro porque o Irã não é um país artificial construído em cima de um mosaico de etnias e seitas que se detestam. Segundo, antes de virar uma teocracia, o Irã passou por aquela que talvez tenha sido a experiência ocidentalizante mais profunda já imprimida num país muçulmano depois da que Atatürk empreendeu na Turquia. Quase trinta anos e um regime religioso depois, este ímpeto arrefeceu, sem dúvida, mas nunca se apagou, principalmente nas grandes cidades. Aquelas multidões que protestavam contra o regime dos aiatolás elegendo Mohamad Khatami, um aiatolá moderado, ainda que não seja o exemplo de um líder nos moldes ocidentais, não desapareceram. Aquela centelha de liberdade que se via no Irã há uma década não se apagou. Óbvio que não faltarão fundamentalistas saudosos do regime dos turbantes negros, e eles causarão muitos transtornos. Mas uma parcela considerável da população, mais os iranianos exilados, que formam um conjunto ativo e coeso, ao contrário dos dispersos exilados da ditadura de Saddam Hussein no Iraque, ajudarão a reconstruir um país mais livre. E não haverá Al Qaeda atuando no Irã por um simples motivo: Bin Laden e seus sequazes odeiam os xiitas, que consideram hereges, talvez tanto quanto os ocidentais. Sem o know-how da organização do saudita, nem de suas células, bem como a capilaridade das mesmas, capazes de atuar de forma organizada em vários lugares do planeta, ficará difícil doutrinar, treinar e equipar homens-bomba.
A resistência iraniana à ocupação existirá, sem dúvida, mas não será feita com atentados suicidas, ou pelo menos não se baseará nestes. Fundamentalistas ligados a militares remanescentes do regime recém destronado se refugiarão nas montanhas. O financiamento de suas atividades guerrilheiras partirá das fortunas que os aiatolás hoje escondem em paraísos fiscais, amealhada com os dividendos do petróleo. Simpatizantes ocultos do regime deposto, aparentemente adaptados aos novos tempos, serão os responsáveis por levar dinheiro, suprimentos e armas, contrabandeados a partir de países vizinhos como o Afeganistão ou dos obscuros regimes totalitários das ex-repúblicas soviéticas, desejosos de desovar o arsenal herdado da antiga potência. Esta guerrilha não ameaçará os grandes centros urbanos, nem a capital, que fica numa planície a beira do Mar Cáspio, mas aterrorizará os habitantes das áreas montanhosas, bem como terá potencial de sabotar ocasionalmente a estrutura petrolífera. Protegidos pela geografia acidentada que facilita a atuação de guerrilheiros e a manutenção de posições de defesa, essa guerrilha deve perdurar por anos, talvez por décadas, assim como as FARC na Colômbia: sem chance de tomar o poder para si, mas com territórios consolidados e fáceis de serem defendidos e recursos difíceis de serem suprimidos, dada a possibilidade enorme de usarem as terras altas para plantar papoula e nutrir a atividade militar com o dinheiro das drogas.
Resta ainda a outra perna do Iraque pós-ocupação que deixamos inexplorada para abordar a problemática iraniana: os curdos ao norte do país, que consolidariam a autonomia que já têm sobre a área que habitam de tal modo que formariam na prática um estado independente, e com o caos que imperaria no restante do Iraque com árabes xiitas e sunitas disputando entre si o espólio do outrora feudo de Saddam Hussein, não tardariam em proclamar a República Curda do Iraque um país independente. Aí começa outro conflito, mais sangrento e prolongado que a guerra contra o Irã. É o que veremos no próximo capítulo.
(Próximo Capítulo: a “Primeira Guerra Mundial do Oriente Médio”. Todos contra o Curdistão).
A marinha e a força aérea iranianas serão destroçadas sem sequer entrar em operação. Com o domínio dos ares, os bombardeios ao exército e às instalações do governo serão ininterruptos e implacáveis, não dando aos governantes e generais persas a oportunidade de dirigir os esforços de guerra. Com linhas de comunicação e suprimentos bastante atacadas, o exército do Irã será esmagado em questão de semanas; não três, como no Iraque, mas não mais do que dez. Alguém pode mencionar o exército de homens-bomba que segundo consta já anda na casa dos cinqüenta mil. Este “exército”, no entanto, terá inúmeras dificuldades para desempenhar papel relevante no conflito: como já foi dito, as dificuldades de comunicação serão enormes, bem como a de lançar tais soldados nos pontos onde podem exercer maior impacto. Além do mais, é um exército no qual a perda de elementos de combate é constante e irreversível, tendo que ser constantemente abastecido. Caso venha a funcionar, tanto pior: a morte sucessiva de combatentes drenará os recursos humanos do exército necessários para a manutenção da campanha. Historicamente, atentados suicidas funcionam bem como táticas de terrorismo. Como tática de guerra, jamais na longa história de conflitos da humanidade ela foi bem sucedida, e os kamikazes estão aí para provar.
Terminada a campanha, começariam as dificuldades de reconstrução da infra-estrutura do país e de estabelecimento de um governo pós-guerra. Quem imagina um Iraque versão GG, a meu ver, vai quebrar a cara. Primeiro porque o Irã não é um país artificial construído em cima de um mosaico de etnias e seitas que se detestam. Segundo, antes de virar uma teocracia, o Irã passou por aquela que talvez tenha sido a experiência ocidentalizante mais profunda já imprimida num país muçulmano depois da que Atatürk empreendeu na Turquia. Quase trinta anos e um regime religioso depois, este ímpeto arrefeceu, sem dúvida, mas nunca se apagou, principalmente nas grandes cidades. Aquelas multidões que protestavam contra o regime dos aiatolás elegendo Mohamad Khatami, um aiatolá moderado, ainda que não seja o exemplo de um líder nos moldes ocidentais, não desapareceram. Aquela centelha de liberdade que se via no Irã há uma década não se apagou. Óbvio que não faltarão fundamentalistas saudosos do regime dos turbantes negros, e eles causarão muitos transtornos. Mas uma parcela considerável da população, mais os iranianos exilados, que formam um conjunto ativo e coeso, ao contrário dos dispersos exilados da ditadura de Saddam Hussein no Iraque, ajudarão a reconstruir um país mais livre. E não haverá Al Qaeda atuando no Irã por um simples motivo: Bin Laden e seus sequazes odeiam os xiitas, que consideram hereges, talvez tanto quanto os ocidentais. Sem o know-how da organização do saudita, nem de suas células, bem como a capilaridade das mesmas, capazes de atuar de forma organizada em vários lugares do planeta, ficará difícil doutrinar, treinar e equipar homens-bomba.
A resistência iraniana à ocupação existirá, sem dúvida, mas não será feita com atentados suicidas, ou pelo menos não se baseará nestes. Fundamentalistas ligados a militares remanescentes do regime recém destronado se refugiarão nas montanhas. O financiamento de suas atividades guerrilheiras partirá das fortunas que os aiatolás hoje escondem em paraísos fiscais, amealhada com os dividendos do petróleo. Simpatizantes ocultos do regime deposto, aparentemente adaptados aos novos tempos, serão os responsáveis por levar dinheiro, suprimentos e armas, contrabandeados a partir de países vizinhos como o Afeganistão ou dos obscuros regimes totalitários das ex-repúblicas soviéticas, desejosos de desovar o arsenal herdado da antiga potência. Esta guerrilha não ameaçará os grandes centros urbanos, nem a capital, que fica numa planície a beira do Mar Cáspio, mas aterrorizará os habitantes das áreas montanhosas, bem como terá potencial de sabotar ocasionalmente a estrutura petrolífera. Protegidos pela geografia acidentada que facilita a atuação de guerrilheiros e a manutenção de posições de defesa, essa guerrilha deve perdurar por anos, talvez por décadas, assim como as FARC na Colômbia: sem chance de tomar o poder para si, mas com territórios consolidados e fáceis de serem defendidos e recursos difíceis de serem suprimidos, dada a possibilidade enorme de usarem as terras altas para plantar papoula e nutrir a atividade militar com o dinheiro das drogas.
Resta ainda a outra perna do Iraque pós-ocupação que deixamos inexplorada para abordar a problemática iraniana: os curdos ao norte do país, que consolidariam a autonomia que já têm sobre a área que habitam de tal modo que formariam na prática um estado independente, e com o caos que imperaria no restante do Iraque com árabes xiitas e sunitas disputando entre si o espólio do outrora feudo de Saddam Hussein, não tardariam em proclamar a República Curda do Iraque um país independente. Aí começa outro conflito, mais sangrento e prolongado que a guerra contra o Irã. É o que veremos no próximo capítulo.
(Próximo Capítulo: a “Primeira Guerra Mundial do Oriente Médio”. Todos contra o Curdistão).
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