De embustes e folhetins
A imprensa tupiniquim hoje se desmanchou em desvelos e revoltas na data em que o "massacre" de Eldorado dos Carajás completou dez anos. Novamente as imagens gravadas pela câmera que estava no local foram mostradas. E elas continuam mostrando aquilo que sempre mostraram e que qualquer pessoa com dois olhos minimamente funcionais consegue enxergar: uma turba avançando em direção à polícia, que recua; a turba começa a atirar paus e pedras contra a polícia, que recua mais ainda; a malta, ensandecida, avança ainda mais e brande armas brancas e os paus e pedras que ainda tem em mãos, a polícia dispara tiros para o alto, porque finalmente está encurralada pela barricada armada pelos próprios sem-terra para bloquear a estrada. Sem ter para onde recuar, e pressionada pela tropa que avança rapidamente, a polícia faz o que ainda restava: atira.
A pergunta que fica é: o que a mídia esquerdóide queria que a polícia fizesse? Tentasse fazer amizade com a turba que a ameaçava? Debandasse derrotada mesmo sendo superior em armas? Chamasse a mamãe?
Mas a Rede Globo, aquela mesma que dizem ser reacionária mancomunada com as "zelite" para derrubar o Supremo Apedeuta, construiu a tese de que a reação óbvia e natural dos PMs fosse vista e assimilada como um massacre. Instigou milhões de pessoas em todo o país a não acreditar no que seus próprios olhos viam! Nem Goebbels teria feito melhor. No mesmo ano, sabe-se lá por que improvável conjuntura astral, a mesma Rede Globo incluiu um núcleo sem-terra na novela O Rei do Gado. Claro que os sem-terra da novela eram todos íntegros e justos trabalhadores lutando contra a voracidade do latifundiário malvado.
O que não surpreende em nada. Alguém aí lembra de algum personagem de alguma pela da extensa dramaturgia global claramente afinado com ideais de esquerda que não fosse um modelo de virtude, coragem, honradez e outras tantas qualidades que sói os heróis folhetinescos ocorrem reunir? Ou de algum personagem claramente afinado com ideais de direita que não fosse escroque, caricato ou, na maioria dos casos, as duas coisas juntas?
Não vamos longe, para não excluir o leitor que possui pouca bagagem de dramaturgia global. Fiquemos apenas na minissérie deste ano, JK. Os personagens esquerdistas da trama eram, sem exceção, corajosos, belos, íntegros, descolados, jovens, bem-articulados e sempre tendo que lutar contra as armações dos escroques da direita. Estes se resumiam a quatro personagens: um político fraco, uma balzaquiana histérica e mal-amada e dois arquétipos do vilão das tramas globais, desprovidos de virtudes e eivados de defeitos.
Vale lembrar uma cena: O noticiário mostra a tomada do poder em Cuba por Fidel. Abigail, a balzaquiana histérica e mal-amada (para não usar o mais chulo e mais exato termo "mal comida"), critica o grande ídolo das esquerdas continentais. Sérgio, um homem alto, forte, belo, íntegro, virtuoso, respeitador, inteligente, perspicaz, dentre outras qualidades, corta de bate-pronto: "Fidel é um defensor da liberdade".
Ora, há uma clara intenção de alienar os jovens, que dotados da estupidez característica da idade, associam imagem a caráter. Tudo é armado para associar às idéias e pessoas de esquerda as características que o jovem valoriza, como beleza, simpatia e carisma, e à direita, coisas que o jovem abomina, como feiúra, deselegância e histrionismo. Em outra cena, certamente a mais ridícula do folhetim, um posudo Niemeyer esturra sua bravura num barzinho na perifeira Brasília: "Eu apóio Cuba!". Talvez não tenha passado pela cabeça dos espectadores que uma frase idêntica, com os sinais ideológicos trocados e proferida num país socialista, renderia uma indefinida temporada de trabalhos compulsórios em campos de concentração, a grande herança que Lênin deixou à humanidade e que inspiraria Hitler dez anos depois.
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