terça-feira, fevereiro 08, 2005

SUBVERSÃO DE PRINCÍPIOS



A caridade tem sido usada no decorrer dos tempos como estandarte-mor da propaganda cristã: os mais fanáticos chegam a afirmar que o cristianismo inventou a caridade, numa tentativa pueril de afirmar que durante os 98 000 anos de existência da humanidade até então nunca jamais alguém havia pensado em ajudar quem quer que fosse.Os mais cautelosos não chegam a tamanho disparate, mas enfatizam o quanto a Doutrina Cristã enfatiza e incentiva as pessoas a se ajudarem mutuamente de forma descompromissada, movidas apenas pelo amor a Deus e ao próximo.


Tenho lá minhas dúvidas, mas o cristianismo, não sei se num lapso de coerência ou numa esperta politicagem ideológica, não deixa claro de que maneira nós atingimos a salvação: há passagens que dizem que apenas pela graça de Deus (Ef 2:8-9); pela fé (Gl 2:16); pelas obras (Rm 2:6); pela fé e pelas obras (Tg 2:24)... Como a adoção de uma vertente exclui automaticamente as demais, constatamos que algum deles está necessariamente mentindo, mas não é essa a questão central aqui levantada.Considerando a posição aceita pela Igreja Católica, que é a mais antiga denominação cristã ainda em atividade, somos salvos pela fé e pelas obras.Pois é aí que se encontra o nó górdio.


Se de fato somos salvos pela fé e pelas obras, então não existem ações puramente desinteressadas da parte de um autêntico cristão: sempre que ele praticar uma boa ação, o fará não porque acredite que está agindo certo, ou porque deseja ajudar alguém que ele estima.Estará o fazendo movido pelo desejo egoístico de cavar sua vaguinha na Nova Jerusalém, de preferência pertinho do Cara Lá De Cima.Deste modo, o princípio de salvação pelas obras extingue o altruísmo, o esvazia de significado.Ninguém é caridoso por amor a Deus ou ao próximo, mas pelo desejo de ficar numa posição bem confortável após a morte.


Ou seja, a caridade passa a ser moeda de troca no câmbio paralelo das locações do Paraíso Celeste, como se a pessoa, ao praticá-la, estivesse pagando por seu lugar no céu como um mutuário de imobiliária quita as prestações da casa própria, e o que é pior, num contrato feito às escuras, pois jamais sabemos quanto realmente custa o imóvel.É de surpreender que tal pensamento mesquinho e mercantilista desembocasse na venda de indulgências? Afinal, se Deus aceitava moedas como caridade, respeito, fidelidade e pureza, por que não aceitaria títulos de crédito afiançados pela instituição que o representa na Terra? Ao menos dessa forma o comércio de vagas no paraíso ficava mais do que bem explicitado...


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