terça-feira, fevereiro 08, 2005

Uma no cravo, outra na ferradura


Aqui neste abatedouro de reputações e conceitos ninguém escapa da fúria do açougueiro; depois de cutucar os católicos no post anterior, eis que agora ele corre de machadinha na mão no encalço dos maiores rivais dos primeiros: os protestantes.

Lembro que recentemente aluguei uns filmes, e sempre gosto de ver os trailers, para orientar minhas escolhas futuras.Num deles, vi um filme sobre Lutero, este interpretado pelo britânico Joseph Fiennes.Pelo esboço geral da história deu para perceber a abordagem da película: o reformador protestante é mostrado como um homem íntegro, preocupado com a ética e com senso de justiça que beirava o altruísmo, capaz de arriscar sua reputação e a própria vida pela causa nobre que defendia.

Não vou alugar essa fita porque não quero jogar dinheiro fora, e nem preciso fazê-lo para julgar equivocado o enfoque dado ao caráter de Lutero.A verdade é que ele não era nada disso que foi mencionado acima.Pelo contrário, era tão preconceituoso, mesquinho, elitista e anti-semita quanto aqueles que combatia.Sua cruzada contra a Igreja também não demonstra coragem moral: desde o início ele teve apoio de parte da nobreza alemã, interessada que estava em tomar para si as propriedades eclesiásticas, portanto não correu grandes riscos.E era, acima de tudo, um sectário.Exortou os nobres alemães a esmagarem violetamente o movimento anabatista de Thomas Münzer, usando expressões como "cão raivoso" para designar os seguidores dessa doutrina que, afinal de contas, era tão dissidente quanto o próprio luteranismo, apenas com o defeito de ser demasiado messiânica e idealista.

E como um fanático racista e mesquinho ganhou essa aura de santo defensor dos valores cristãos? A culpa, a meu ver, cabe em grande parte a alguns historiadores sem filiação religiosa (agnósticos e ateus), que em sua cruzada contra o catolicismo não hesitaram em endeusar figuras torpes apenas pelo fato de serem anti-católicas.Robespierre e os diversos ditadores comunistas foram outros que ganharam tinturas mais amenas aos olhos da história pelo mesmo motivo de Lutero.

Não estou defendendo o catolicismo (vide post anterior), mas penso ser uma idiotice amenizar a imagem de certas figuras históricas apenas por haverem estas se oposto à Igreja Católica, ou a qualquer religião.Lutero, Robespierre e Lênin, para citar três figuras, não deixam de ser fanáticos de diminuta estatura intelectual, quais quer que sejam as máscaras históricas que lhes sejam colocadas.Para usar uma metáfora de momento, o carnaval passa, e na Quarta-feira de Cinzas, invariavelmente as máscaras caem e uma implacável ressaca ideológica marca o melancólico fim das horrendas criaturas escondidas sob belas fantasias.


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