Quando a arte imita a geopolítica
Quem deseja conhecer a fundo a questão palestina pode ler livros ou pesquisar em sites. Creio, no entanto, que nenhum deles conseguirá fazer alguém saber como israelenses e palestinos se sentem quanto o filme Casa de Areia e Névoa (House of Sand and Fog, 2003, direção de Vadim Perelman, com Ben Kingsley e Jennifer Connelly).
A história, em linhas gerais, é a seguinte: Kathy, uma jovem órfã (Connelly), tem a casa na qual sempre viveu confiscada devido à incompetência burocrática, que lhe atribui dívidas de uma empresa que ela jamais teve. Sem familiares, desamparada e ex-viciada em drogas, a jovem entra em desespero quando toma conhecimento de que sua casa foi leiloada pela prefeitura e arrematada por uma família de exilados políticos iranianos por um preço irrisório. Inicia-se então uma disputa ferrenha pela propriedade, da qual nenhum dos lados abre mão. A moça, por ter vivido lá por muito tempo com o falecido pai, e o exilado iraniano Behrani (Kingsley) por ver o imóvel como a chance para reconstruir a vida (além de ser parecida com a propriedade que tinham no Irã, às margens do Mar Cáspio).
Trata-se de uma disputa na qual não existe lado certo e errado ao qual se posicionar. A jovem pode alegar que foi expulsa injustamente de seu lar. O iraniano também não tem culpa de nada: arrematou a casa num leilão legítimo, investiu muito dinheiro para reformá-la e salvá-la do estado de deterioração no qual se encontrava e vê nela a chance de reconstruir a vida depois de ter caído em desgraça em seu país de origem. A comparação com o conflito Israel x Palestina é tão perfeita que não dá nem para saber quem é Kathy e quem é Behrani na história. Os judeus foram expulsos daquele que era seu lar por milênios, mas milhares de palestinos também o foram quando o estado de Israel se constituiu. Até nas táticas de luta filme e realidade se misturam: Kathy faz com que um policial com quem mantém um caso ameace e chantageie a família iraniana, que reage com truculência (Behrani é um ex-militar pouco habituado a conjugar o verbo negociar). Ambos os lados embarcam numa guerra psicológica altamente estressante e destrutiva, que termina por provocar tragédias.
Não vou contar o final do filme (assistam, preguiçosos), mas garanto que nem mesmo quando começam a aparecer os créditos finais é possível tomar partido de algum dos lados. Todos estão certos em suas reivindicações e errados nos métodos que utilizam para satisfazer seus anseios (embora seja certo que Kathy começou o jogo baixo ao chantagear a família através de seu amante). E tanto na arte quanto na geopolítica, não há solução capaz de agradar ambos os lados.
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