quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Casa de Bonecas, ou Nunca Abandone um Livro Antes do Final


Sabe aquele escritor de quem você ouviu falar muito bem, não é tão badalado e vem de um país meio exótico? Essa combinação costuma exercer um forte atrativo sobre leitores ávidos, e foi assim que resolvi investir dinheiro em Casa de Bonecas, do norueguês Henrik Ibsen (que é, sim, bem conhecido nos meios literários, mas não é um daaqueles escritores que você sempre tem na ponta da língua), considerada uma obra-prima do realismo a nível dramático.

As linhas gerais da história, a princípio, não despertaram muito interesse: uma esposa virtuosa que, num ato de amor extremo para salvar o marido, se compromete com um homem pouco escrupuloso.Um enredo tipicamente romântico, e a história quase toda narra as peripécias de Nora Helmer, que têm como objetivo impedir que seu marido Torvald conheça o segredo, e nas tentativa de se esquivar da chantagem que lhe impõe o desonesto Krogstad, homem que mascara sua mesquinhez de caráter através de um estratagema nem tão inédito: o da auto-vitimização, recurso que, ainda assim, ajuda a acrescer um tom além do preto-e-branco de um simples vilão.

No transcorrer da narrativa vamos conhecendo o caráter de Nora, abnegada aos seus deveres e disposta a extremos para defender aqueles que ama.Torvald, o marido zeloso até demais, que na ânsia de proteger a esposa, sufoca-a de cuidados.A triste história de Dr. Rank, que no comunicar da proximidade de sua morte declara seu amor a Nora secretamente, também chama um pouco a atenção, mas nada que merecesse tanto apupo da parte da crítica em geral.Estava já a imaginar o que Ibsen fizera para ter tal reconhecimento, ou considerando que Casa de Bonecas, apesar da propaganda, estava longe de ser sua melhor obra.

Mas Ibsen prega uma peça e tanto no leitor que, porventura, leu até o final.Ou ao espectador que ficou para a última cena.Exatamente no momento em que tudo se resolve satisfatoriamente para todos, e o casal Helmer poderia viver feliz para sempre, num epílogo digno dos mais chinfrins similares românticos nacionais.Neste último diálogo, finalmente, ele mostra a que veio: apesar de tudo estar resolvido, e sua felicidade novamente assegurada, Norma simplesmente resolve deixar tudo para trás, e percebe que nunca pensou por si mesma, nunca foi um indivíduo, apenas uma bonequinha que "passou das mãos do pai para as do marido", nas palavras da própria.

Este último diálogo dura apenas vinte das quase duzentas páginas, mas vale todo o dinheiro investido e ainda sobra troco.É uma conversa forte, na qual todas as convenções da sociedade da época nada valem, estão apenas Nora e Torvald, em igualdade de condições, discutindo o lugar dela perante a família, o mundo e si mesma.Calma e serena, joga na cara do marido que ele jamais a amou enquanto pessoa, mas apenas enquanto mãe e esposa ideal, apenas enquanto representava um papel conveniente, e quando descobriu sua atitude temerária, a repudiou, para em seguida acolhê-la de volta assim que constatou o desfecho feliz do caso, como se nada houvesse acontecido.

A crítica é feita não apenas aos valores da sociedade, mas também ao próprio ideal romântico, pois Nora, como uma heroína romântica, fizera um sacrifício pelo seu amado, e dele não recebeu a contrapartida.Sua decepção provoca a descrença em tal ideal, fazendo-a lançar-se à procura de outro.Todo aquele sonho dourado do casamento feliz que vivera por oito anos se revelara falso, um embuste, sua vida era uma autêntica "Casa de Bonecas", onde tudo funcionava bem a gosto de quem a controlava.Contra o conforto dessa letargia, a própria Nora se impõe o desafio de viver sozinha, de pensar sozinha, de ganhar alguma experiência de mundo para dela extrair sua própria compreensão.Sua postura pode ser taxada de inocente, e não o deixa de ser, pois ela se sentia como uma criança que percebia todo um mundo lá fora, e queria sair para explorá-lo sem reservas, ainda que se expondo a todos os seus riscos.Se nos dias de hoje tal visão ainda é considerada subversiva, na sociedade vitoriana do século XIX, beirava a heresia.

Por 170 páginas, uma história nada surpreendente e pouco interessante.No último diálogo, uma mensagem pungente de liberdade individual, uma análise fria e crua das conveniências que aprisionam o ser humano, um grito de independência que ecoa profundamente nos leitores e espectadores.Casa de Bonecas corresponde com sobras às expectativas, e mostra que, por mais que a tentação seja grande, nunca se deve abandonar um livro antes do final.


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