quinta-feira, abril 21, 2005

Opinião & achismo

Pra começo de conversa, digo que nada tenho contra conservadores além de divergências ideológicas em um ou outro ponto, e a maior prova disso é que o blog do Alexandre Soares Silva, que é conservador, está lincado aí ao lado. De uma pessoa não exijo que concorde comigo em tudo por tudo, basta ter inteligência e bom humor, e essas são coisas que ele, por exemplo, tem de sobra. E por que isso agora? Para que não me venham dizer que implico com alguém simplesmente por pensar diferente de mim.E como a pior maneira de se começar a emitir uma opinião é pedir desculpas por ela, paro por aqui antes que desça a nível tão baixo.Vamos ao que interessa.

A pérola da vez vem do Nivaldo Cordeiro (ó novidade!). Ao comentar o último livro de Wojtyla, ele lamenta o caminho que a filosofia ocidental tomou, à parte da religião. Até aí nada de mais. O problema é quando ele resolve encetar uma diatribe contra Nietzsche:

"O que teria o Santo Padre a dizer sobre Nietzsche, o incendiário que foi o inspirador direto do nazismo e que tem legiões de admiradores pelo mundo todo? Nietzsche, o niilista que se propunha acima do bem e do mal, que queria tresvalorizar todos os valores, o anunciador da desimportância do indivíduo diante da espécie, do inclemente sobre aqueles que mantinham a fé em Deus, o próprio Anti-Cristo autopersonificado?"

Existem nessa frase uma meia verdade e uma completa mentira acerca do filósofo alemão. A meia verdade é que ele é inspirador direto do nazismo: o fato de Hitler gostar deele nada significa, Hitler demonstrou reiteradas vezes sua tibieza intelectual e incrível capacidade de distorcer a seu favor tudo que fosse possível. E a completa mentira é dizer que ele pregava a primazia da espécie sobre o indivíduo. Mostro aqui enxertos de Assim falava Zaratustra e O Anticristo para que vejam o quanto Nivaldo se deixou levar por um achismo não-fundamentado. Leiam e me digam: alguém que diz coisas como essas pode ser estatólatra, coletivista e nacionalista?

"Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal, e em tudo quanto diz mente, tudo quanto tem roubou-o".

"A quem odeio mais entre a ralé de hoje? A escumalha socialista, aos apóstolos de chandala que minam o instinto do trabalhador, seu prazer, seu sentimento de contentamento com uma existência pequena - que o tornam invejoso, que lhe ensinam a vingança..."

"Tudo quanto é grande passa longe da praça pública e da glória. Longe da praça pública e da glória viveram sempre os inventores de valores novos".

"Ah, esses alemães, quanto já nos custaram! Tornar todas as coisas vãs - sempre foi esse o trabalho dos alemães. - A Reforma; Leibniz; Kant e a assim chamada filosofia alemã; as guerras de "independência"; o Império - sempre um substituto fútil para algo que existia, para algo irrecuperável... Estes alemães, eu confesso, são meus inimigos: desprezo neles toda a sujidade nos valores e nos conceitos, a covardia perante todo sim e não sinceros".

Nesses trechos Nietzsche ridiculariza o Estado, o espírito de manada e o povo alemão, culpando esse último de ter desgraçado a Europa. Hitler acaso era anti-estatista, contrário às manifestações públicas e ridicularizador da pátria e da história alemã? Disse e reafirmo: opiniões, mesmo as radicalmente contrárias ao meu pensamento, não me incomodam. O que incomoda são os "achismos", pseudo-opiniões emitidas sem base. Distorções nunca são bons meios de se apoiar uma causa. Cordeiro vacilou. De novo.


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