quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Um Assassinato Cristão



Você é um cristão perfeitamente convicto de suas crenças e praticante de todos os mandamentos deixados por Nosso Senhor Jesus Cristo.Seu melhor amigo também é um modelo de virtude e pureza, uma pessoa que sempre seguiu à risca os mandamentos.Vocês estão em um almoço dominical com suas respectivas famílias, e de repente, você pensa: meu amigo é uma pessoa tão virtuosamente cristã, tão seguidora dos mandamentos das escrituras que certamente irá para o céu quando morrer.E você fica contente.Mas logo uma nuvem negra perpassa pelo seu pensamento: “mas será que ele se preservará virtuoso até o fim da vida? Ainda é jovem, tem décadas de vida pela frente, e pode cair em tentação, afinal todos estamos sujeitos a elas, e então perderá seu lugar no paraíso”.

Neste momento você está quase a chorar de tristeza pela possibilidade que seu grande amigo não conquiste a salvação eterna e vocês não possam reunir suas famílias no paraíso e confraternizar por toda a eternidade, assim como estão fazendo naquele instante.Mas como evitar que ele caia em tentação, é a pergunta que você se faz, cada vez mais desesperado por não obter uma resposta, afinal, por mais que você o aconselhe e reze para que ele não saia do caminho da retidão, nada disso impede que ele porventura resvale para o domínio do pecado.O desespero por não poder evitar uma possível recaída o domina cada vez mais.

E de repente, sua mente se ilumina.Como não havia pensado naquilo antes? A única maneira 100% garantida de impedir que seu amigo peque e perca as graças do paraíso é matá-lo ali mesmo, antes que lhe apareça a oportunidade de ceder à tentação mais cedo ou mais tarde.Como bom cristão que é, você hesita: não é justo privar a família dele de seu convívio.Mas a dúvida logo se dissipa: ele vai para o paraíso, onde viverá eternamente, e em breve esposa e filhos dele estariam em júbilo pelo reencontro definitivo, pois como a vida no paraíso é eterna, não haverá mais separações.E não era o apóstolo Paulo que dizia que “os sofrimentos do presente em nada se comparam com a ventura da vida que me espera após a morte?” Em dentro de algumas décadas, todos estariam reunidos novamente, seria apenas uma separação temporária, para que não corressem o risco de se separarem eternamente, no caso dele debandar para as hostes de Satanás. É preciso, pois, agir rápido!

E rápido você age: pega a faca com a qual estão cortando a picanha do churrasco e a enterra profundamente no coração do seu amigo.Ele geme, se contorce de dor, e como bom cristão que é, você abrevia-lhe o sofrimento: corta a jugular, e em poucos minutos ele jaz no chão, exangue e sem vida.Mas ganhou o paraíso! É o pensamento que o consola, que empresta a mais nobre das causas ao crime que você acaba de cometer.Você livrou o seu amigo da maior de todas as ameaças, a de ir para o inferno de fogo, onde há choro e ranger de dentes.Obviamente, as leis dos homens não compreendem sua ação.E você é preso.

Na cadeia, o desespero o domina, mas agora por outro motivo: seu amigo está salvo, com certeza.Mas, e você? O assassinato é um crime, contraria o Quinto Mandamento.A sua nobilíssima ação de enviar para o céu seu amigo antes que pudesse ele se desviar para o inferno custou a sua própria salvação.Certamente você está condenado ao inferno, certo?

Errado.Como bom cristão que você é, recorda o que Jesus disse: “ama ao teu próximo como a ti mesmo”.E o que foi a sua atitude senão uma demonstração de amor ao próximo? Você se dispôs a sacrificar a própria salvação em prol de garantir a do seu amigo.Você fez aquilo que Jesus fez por toda a humanidade: assim como ele sofreu e morreu para salvar a humanidade, abrir a ela as portas do paraíso que se encontravam vedadas desde Adão, você sacrificou a sua salvação para assegurar a de um amigo, a de outro cristão! Que atitude poderia ser mais nobre, mais cristã, do que imolar a si próprio em benefício dos outros? Como pode Cristo condenar alguém capaz de tamanho ato de desapego a si mesmo? Como ele disse ao jovem rico: “vai, dá tudo o que tens aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”.E não foi exatamente isso que você fez? Entregou muito mais do que seus bens, seu sacrifício foi muito maior do que o exigido por Cristo ao jovem.Não entregou apenas seus bens terrenos, mas sim seu bem mais valioso: sua própria salvação.Impossível cumprir mais à risca as ordens de Cristo.Você superou mesmo as melhores expectativas dele em relação aos homens.

Nesse momento, Cristo certamente está com os olhos marejados, embevecido com o gesto de desprendimento e nobreza que você praticou.Nem mesmo seus apóstolos e discípulos mais fiéis sacrificaram algo tão valioso em prol do próximo! O cordeiro de Deus reconhece que você o imitou, com coragem e desapego que jamais ser humano nenhum manifestou.Ah, se todas as pessoas fossem tão cristãs, tão dispostas a sacrificar aquilo que de mais valioso possuem (a própria salvação) para salvar a alma do próximo!

Mas uma dúvida cruel assalta seu pensamento: e se seu amigo não fosse tão virtuoso quanto aparentava ser? Seu crime então, longe de elevá-lo aos píncaros do paraíso, o lançou às profundidades abissais do inferno.Porém, como poderia você saber disso? Seu ato, independente de seu amigo, teve a melhor das intenções, foi baseado numa pureza de espírito e amor incondicional que só encontra paralelo no próprio sacrifício do Salvador.Então isso é mais do que suficiente para assegurar a sua salvação, não? Certo, você descumpriu um dos mandamentos.Mas o que é isso, comparado com o ato de se elevar a patamar tão próximo ao do Messias? Você deveria ser canonizado, já tem lugar garantido à direita do Senhor.Seu amigo o espera nos jardins verdejantes da Nova Jerusalém.As provações terrenas são ninharias perto da felicidade que o aguarda após a morte.A família de seu amigo sofrerá com a ausência dele, seus filhos crescerão sem pai, em dificuldades.E você vai sofrer por décadas trancafiado em uma prisão.Mas lembre-se de como os primeiros cristãos se martirizavam, encaravam o suplício das arenas de feras com galhardia, certos de que haveriam de ganhar o paraíso por disporem a própria vida nas mãos do Salvador.Este mundo um dia passará.E então, será toda a eternidade que terão para estarem juntos novamente.Deus é o supremo bem, irmãos.Aleluia!




Publicado originalmente no Novometal.com.Deixem de ser preguiçosos e visitem o site mais completo de Heavy Metal do Brasil, se vocês apreciam o estilo, é claro.Ah, sim, o texto é de minha autoria.


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