O Ódio é o que importa
Artigo publicado originalmente no NovoMetal, sem corporativismo o melhor site de metal do Brasil, do qual, como já devem ter notado, eu participo. Se curtem o estilo, uma passada por lá é obrigatória.
O ÓDIO É O QUE IMPORTA
É uma palavra simples, de fácil pronúncia, mas de significado tão amplo que nunca talvez tenha surgido uma definição para ela perfeita.O dicionário apenas ressalta o aspecto raivoso e intempestivo da palavra, mas os artistas são bem mais profundos e versáteis que lexicógrafos e etimologistas.A expressão desse sentimento em palavras e ações conheceu maneiras, estilos e facetas tão diversas que talvez tenha mesmo superado o seu antagonista nesse sentido, apesar de ser ele o mais famoso e que com mais freqüência é ressaltado pelos críticos de arte.Uma tremenda injustiça, diga-se, pois a arte é a própria materialização do ódio.
Seria supérfluo mencionar a expressão artística do ódio dentro do heavy metal, pois citaria bandas e mais bandas, e preencheria todo esse espaço mole, mole.A fúria incoercível do black metal para com as estruturas cristãs, o death rompendo completamente os padrões da delicadeza ao descrever o ódio (e suas atitudes) de maneira crua, sem retoques, e por aí vai.Mas com certeza, todos nós já ouvimos comentários ácidos a respeito dessa forma de expressão de arte.O argumento deles é sempre o mesmo: que a arte tem que ser “sublime”, “bela”, que tem que falar de coisas leves e agradáveis.Essas opiniões revelam total desconhecimento da arte como um todo.Afinal, o que arte senão o exercício da indignação para com as estruturas vigentes?Mesmo os românticos, do alto de seu arrebatamento apaixonado, manifestavam um ódio contra as estruturas sociais que os impediam de viver seus amores, ou contra a própria vida, que se revelava trágica e lhes roubava as amadas (Novallis, grande romântico alemão que perdeu sua amada quatro dias após o aniversário de 15 anos, é um exemplo).Os realistas, empenhados em mostrar a sujidade da vida.Ou os modernistas, que revelaram o absurdo da falta de sentido que há em tudo.
É apenas uma interpretação minha?Não mesmo.Os próprios escritores confirmaram.”Arte não é feita com bons sentimentos”, pontificava o francês André Gidé, Prêmio Nobel de Literatura.”As famílias felizes são todas iguais. As infelizes são infelizes cada uma à sua própria maneira”.Paremos para refletir sobre essa frase de Tolstoi, um dos maiores expoentes da literatura russa, proferida no começo do romance Anna Karenina.O que o genial prosador russo quis dizer é que a felicidade é, via de regra, monótona e enfadonha, e não dá para fazer boa literatura sobre ela.Por isso que os políticos nunca fazem boa literatura.Se José Sarney não fosse tão rico e poderoso, talvez escrevesse algo que prestasse.Os bons sentimentos não dão bom material para a arte, vide as porcarias de auto-ajuda que têm infestado as livrarias.
E como definir a esses que pregam uma arte “sublime e pura”?Como ditadores da arte.Os nazistas queriam que a arte retratasse a pureza do homem ariano.Os comunistas baseavam seu enfoque no idílico modo de vida do operário socialista.Como bem se sabe, essas utopias massacraram cem milhões de pessoas em monstruosas experiências de reengenharia social.O discurso dos “puristas” da arte bem caberia na boca de um censor da Gestapo ou da KGB.Por isso o heavy metal é a mais pura democracia.Há bandas no mundo inteiro, do Brasil à Noruega, da Indonésia à Letônia.Há subgêneros para todos os gostos, desde os mais brutais e furiosos (black, death) até os mais “sublimes” (melódico, progressivo).O heavy cumpre seu papel de verdadeira arte: não está vinculado a nenhum preceito moral ou estilístico, nem a uma forma delimitada de expressão, quer na forma, quer no conteúdo.E, sobretudo, a força do metal está na raiva louca e incurável que este move por tudo que o cerca.Pois, creiam, amigos, o ódio é o que importa.
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