O futuro da Turquia
extraído de: http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=150746&tid=2533537588732257618
Os turcos há décadas não têm outra opção a não ser se integrar à Europa. Quem acha que os turcos são idênticos ou semelhantes aos árabes demonstra total desconhecimento cultural e histórico. A única semelhança entre turcos e árabes é de fato a religião islâmica. Os turcos são altaicos e falam um idioma uralo-altaico, enquanto os árabes são semitas e falam um idioma semita.
Durante o Império Otomano os árabes viam o sultão de Istambul mais como um opressor e inimigo do que como o comandante máximo de uma grandiosa nação islâmica. O fundador do Wahabismo, tendência religiosa radical que inspirou e inspira o fundamentalismo islâmico era um crítico ácido da "decadência moral" dos imperialistas turcos. O próprio nacionalismo árabe nasceu no início do século passado tendo como pedra fundamental a oposição à dominação turca (somente a partir dos anos 20 começou a incorporar o anti-ocidentalismo e o anti-judaísmo). Reino Unido e França derrotaram os exércitos do sultão turco em estrita colaboração com os líderes dos clãs árabes mais poderosos, que viam na aliança com os ocidentais uma oportunidade de ganhar territórios e poder. Portanto, não dá para mandar os turcos se entenderem com seus companheiros de fé. Árabes e turcos, além de muito diferentes, nutrem em relação uns aos outros profundos ressentimentos históricos.
Que outra saída resta aos turcos então? As outras nações de composição etnolinguística similar à turca são ex-repúblicas soviéticas como Azerbaijão, Cazaquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, com quem os turcos passaram décadas sem contato algum e que hoje são cultural e economicamente mais próximas da Rússia e da China do que da Turquia.
Restou-lhes então a Europa Ocidental. Quando a Turquia moderna foi erigida por Mustapha Kemal "Atatürk" sobre os escombros do Império Otomano, ele já sabia disso. Sem possibilidade de acordo com os vizinhos árabes que os detestavam e isolados de seus primos culturais que integravam então a União Soviética bolchevique, os turcos olharam para o Ocidente.
Kemal conduziu então um vendaval de secularização sem precedente na história do Islã e que deixou até mesmo alguns processos secularizantes ocidentais no chinelo. O Estado foi desvinculado da religião, o ensino foi laicizado, o Corão e as Suras deixaram de ter valor legal e um código civil copiado dos códigos francês e suíço passou a reger a vida dos cidadãos, o alfabeto árabe foi substituído pelo latino no prazo recorde de seis meses, a poligamia foi proibida e o sultanato substituído por uma república parlamentarista.
Desde então as relações diplomáticas e comerciais da Turquia são mais intensas com a Europa do que com qualquer outra vizinhança. Não foi à toa que a Alemanha Ocidental preferiu importar trabalhadores da Turquia, enquanto a França trazia magrebinos e africanos em geral e o Reino Unido trazia caribenhos e indianos. Era um reconhecimento às boas relações cultivadas entre ambas as nações desde a época da República de Weimar.
E nunca é supérfluo lembrar que a Turquia esteve desde o início da Guerra Fria ao lado do Ocidente. Entrou para a OTAN ainda nos anos 50 e as bases de mísseis norte-americanos lá instaladas, nas proximidades da URSS, funcionaram como um importante elemento dissuasor de contendas mais "quentes" entre as duas grandes potências. E aí os turcos bem que poderiam fazer uma singela perguntinha: "se somos aliados o suficiente para integrar a OTAN, por que não o somos o suficiente para integrar a UE?". Se nações que há bem pouco tempo eram comunistas e abrigavam em seus territórios mísseis soviéticos que constituíam uma tácita ameaça à democracia e à prosperidade da Europa Ocidental, podem ser admitidas, por que os turcos que sempre foram aliados militares não o podem? Bósnia e Albânia também são majoritariamente muçulmanas, mas nunca apareceu ninguém que dissesse que elas não são européias. E o que dizer da Rússia, tida e havida como européia e que foi uma ameaça ao Ocidente durante três quartos de século? E da Alemanha, que há 60 anos tentou escravizar o continente inteiro?
Resumo da ópera: A Turquia é um caso à parte. E casos a parte merecem ser tratados como tal. É possível apontar algumas objeções à entrada da Turquia na União Européia, dentre elas o não-reconhecimento diplomático do Chipre, que é integrante do Bloco, a questão curda, altamente complexa e potencialmente explosiva, ameaças pontuais ao secularismo como a atual (embora as manifestações dos últimos dias mostrem que o movimento pró-Estado Laico é mais forte e influente que qualquer pendor teocrático). Mas uma vez removidos tais obstáculos, não restam razões para que a UE deixe de admitir a Turquia.
Medo de terroristas turcos? Ora, a maior ameaça à Europa não resite na Anatólia, nem mesmo no Oriente Médio, mas nas periferias das grandes cidades da própria Europa. Garanto que Londres, Paris, Amsterdam, Bruxelas e Madrid têm mais fundamentalistas islâmicos integrados a redes terroristas do que Istambul. E é interessante notar que de todos os muçulmanos residentes na Europa, os turcos são justamente os que conseguiram assimilar melhor o modo de vida ocidental. É ridículo a Europa temer um futuro Mehmet Ali enquanto milhares de Mohammeds Bouyeris circulam livremente em suas ruas e portam passaportes comunitários e cidadanias ou mesmo nacionalidades européias, o que lhes dá plena liberdade de ação no âmbito da UE.
O que sobra de objeção é a choradeira de religiosos inconformados com o fato de o secularismo ser hoje mais definidor da identidade cultural do Ocidente do que a religião cristã. Mas é compreensível que o último monarca absolutista teocrático do continente se revolte contra essa situação. O que não fará os relógios retrocederem ao século XVII. Se formos contar os cristãos que realmente freqüentam igrejas e professam sua fé no dia-a-dia, é capaz de se encontrar mais cristãos na Turquia do que na Suécia. Ou na República Tcheca, onde mais da metade da população se declara sem religião, e que foi aceita na UE sem alardes histriônicos.
Dê-se à Turquia o direito de entrar na União Européia! Mas não agora...
Os turcos há décadas não têm outra opção a não ser se integrar à Europa. Quem acha que os turcos são idênticos ou semelhantes aos árabes demonstra total desconhecimento cultural e histórico. A única semelhança entre turcos e árabes é de fato a religião islâmica. Os turcos são altaicos e falam um idioma uralo-altaico, enquanto os árabes são semitas e falam um idioma semita.
Durante o Império Otomano os árabes viam o sultão de Istambul mais como um opressor e inimigo do que como o comandante máximo de uma grandiosa nação islâmica. O fundador do Wahabismo, tendência religiosa radical que inspirou e inspira o fundamentalismo islâmico era um crítico ácido da "decadência moral" dos imperialistas turcos. O próprio nacionalismo árabe nasceu no início do século passado tendo como pedra fundamental a oposição à dominação turca (somente a partir dos anos 20 começou a incorporar o anti-ocidentalismo e o anti-judaísmo). Reino Unido e França derrotaram os exércitos do sultão turco em estrita colaboração com os líderes dos clãs árabes mais poderosos, que viam na aliança com os ocidentais uma oportunidade de ganhar territórios e poder. Portanto, não dá para mandar os turcos se entenderem com seus companheiros de fé. Árabes e turcos, além de muito diferentes, nutrem em relação uns aos outros profundos ressentimentos históricos.
Que outra saída resta aos turcos então? As outras nações de composição etnolinguística similar à turca são ex-repúblicas soviéticas como Azerbaijão, Cazaquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, com quem os turcos passaram décadas sem contato algum e que hoje são cultural e economicamente mais próximas da Rússia e da China do que da Turquia.
Restou-lhes então a Europa Ocidental. Quando a Turquia moderna foi erigida por Mustapha Kemal "Atatürk" sobre os escombros do Império Otomano, ele já sabia disso. Sem possibilidade de acordo com os vizinhos árabes que os detestavam e isolados de seus primos culturais que integravam então a União Soviética bolchevique, os turcos olharam para o Ocidente.
Kemal conduziu então um vendaval de secularização sem precedente na história do Islã e que deixou até mesmo alguns processos secularizantes ocidentais no chinelo. O Estado foi desvinculado da religião, o ensino foi laicizado, o Corão e as Suras deixaram de ter valor legal e um código civil copiado dos códigos francês e suíço passou a reger a vida dos cidadãos, o alfabeto árabe foi substituído pelo latino no prazo recorde de seis meses, a poligamia foi proibida e o sultanato substituído por uma república parlamentarista.
Desde então as relações diplomáticas e comerciais da Turquia são mais intensas com a Europa do que com qualquer outra vizinhança. Não foi à toa que a Alemanha Ocidental preferiu importar trabalhadores da Turquia, enquanto a França trazia magrebinos e africanos em geral e o Reino Unido trazia caribenhos e indianos. Era um reconhecimento às boas relações cultivadas entre ambas as nações desde a época da República de Weimar.
E nunca é supérfluo lembrar que a Turquia esteve desde o início da Guerra Fria ao lado do Ocidente. Entrou para a OTAN ainda nos anos 50 e as bases de mísseis norte-americanos lá instaladas, nas proximidades da URSS, funcionaram como um importante elemento dissuasor de contendas mais "quentes" entre as duas grandes potências. E aí os turcos bem que poderiam fazer uma singela perguntinha: "se somos aliados o suficiente para integrar a OTAN, por que não o somos o suficiente para integrar a UE?". Se nações que há bem pouco tempo eram comunistas e abrigavam em seus territórios mísseis soviéticos que constituíam uma tácita ameaça à democracia e à prosperidade da Europa Ocidental, podem ser admitidas, por que os turcos que sempre foram aliados militares não o podem? Bósnia e Albânia também são majoritariamente muçulmanas, mas nunca apareceu ninguém que dissesse que elas não são européias. E o que dizer da Rússia, tida e havida como européia e que foi uma ameaça ao Ocidente durante três quartos de século? E da Alemanha, que há 60 anos tentou escravizar o continente inteiro?
Resumo da ópera: A Turquia é um caso à parte. E casos a parte merecem ser tratados como tal. É possível apontar algumas objeções à entrada da Turquia na União Européia, dentre elas o não-reconhecimento diplomático do Chipre, que é integrante do Bloco, a questão curda, altamente complexa e potencialmente explosiva, ameaças pontuais ao secularismo como a atual (embora as manifestações dos últimos dias mostrem que o movimento pró-Estado Laico é mais forte e influente que qualquer pendor teocrático). Mas uma vez removidos tais obstáculos, não restam razões para que a UE deixe de admitir a Turquia.
Medo de terroristas turcos? Ora, a maior ameaça à Europa não resite na Anatólia, nem mesmo no Oriente Médio, mas nas periferias das grandes cidades da própria Europa. Garanto que Londres, Paris, Amsterdam, Bruxelas e Madrid têm mais fundamentalistas islâmicos integrados a redes terroristas do que Istambul. E é interessante notar que de todos os muçulmanos residentes na Europa, os turcos são justamente os que conseguiram assimilar melhor o modo de vida ocidental. É ridículo a Europa temer um futuro Mehmet Ali enquanto milhares de Mohammeds Bouyeris circulam livremente em suas ruas e portam passaportes comunitários e cidadanias ou mesmo nacionalidades européias, o que lhes dá plena liberdade de ação no âmbito da UE.
O que sobra de objeção é a choradeira de religiosos inconformados com o fato de o secularismo ser hoje mais definidor da identidade cultural do Ocidente do que a religião cristã. Mas é compreensível que o último monarca absolutista teocrático do continente se revolte contra essa situação. O que não fará os relógios retrocederem ao século XVII. Se formos contar os cristãos que realmente freqüentam igrejas e professam sua fé no dia-a-dia, é capaz de se encontrar mais cristãos na Turquia do que na Suécia. Ou na República Tcheca, onde mais da metade da população se declara sem religião, e que foi aceita na UE sem alardes histriônicos.
Dê-se à Turquia o direito de entrar na União Européia! Mas não agora...
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