Este artigo da excelente revista britânica Prospect, de outubro do ano passado, trata da atual situaçao do Iraque. Para quem não está conseguindo entender como a Guerra deixou de ser o tema principal das eleições americanas, e está fortalecendo ao invés de enfraquecer seus defensores, essa leitura é obrigatória.
MISSÃO CUMPRIDA
Com a maioria das facções sunitas em busca de um acordo, as grandes questões do Iraque foram positivamente resolvidas. O país continua uno, abraçou a democracia e evitou uma guerra civil generalizada. A violência que ainda permanece é majoritariamente local e criminal.
A dúvida sobre o que fazer com o Iraque hoje deve ser separada da decisão de derrubar Saddam Hussein do poder quatro anos e meio atrás. Esse é assunto para historiadores. Para qualquer padrão ético aceitável, o atual projeto da coalizão para o Iraque é justo. Reino Unido, Estados Unidos e outros aliados do Iraque estão lá como convidados de um governo eleito pela maioria dos eleitores iraquianos sob uma constituição legítima. A ONU aprovou o papel da coalizão em maio de 2003 e desde então o tem renovado, a mais recente em agosto de 2007. Enquanto isso, do outro lado desta guerra estão algumas das piores pessoas do planeta: os baathistas, os nazistas do Oriente Médio; fundamentalistas sunitas, os principais oponentes do progresso na luta do Islã contra a modernidade, e o governo do Irã. Eticamente, nada pode ser mais óbvio.
Algumas guerras justas, no entanto, não valem a pena se lutar. Há países que não importam muito para o resto do mundo: Ruanda é um trágico exemplo. E seu caso ilustra a imoralidade de uma política externa completamente pragmática. Mas o Iraque, um país axial no mundo desde o início da história e talvez o mais importante dessa era por possuir provavelmente as maiores reservas mundiais de petróleo, não é Ruanda. Nem duas ou três explosões por dia, apesar de toda a tragédia pessoal envolvida em cada morte, fazem um Vietnã.
A grande dúvida em decidir se manter a luta vale ou não a pena não concerne à moralidade ou ao interesse próprio em apoiar uma democracia nascente num dos países mais importantes do planeta. A dúvida é se a guerra pode ser vencida e se podemos ajudar a vencê-la. A resposta ficou bem mais fácil de ser obtida pelo fato de, três anos e meio depois do início da insurgência, a maioria das grandes questões do Iraque está resolvida. Além do mais, elas foram resolvidas de modo que, em sua maioria, apontam para o final positivo dentre todos os possíveis resultados imaginados no início do projeto. O país é uno. Abraçou o voto. Criou uma constituição justa e popular. Evitou a guerra civil. Não virou um satélite do Irã. Pôs um fim nos genocídios de curdos e árabes das regiões pantanosas, e no apartheid anti-xiita. Rejeitou a vingança em massa contra os sunitas. Como demonstrado no grande comparecimento às eleições em 2005 e as ruidosas comemorações pela conquista da Copa da Ásia pela seleção nacional, o Iraque sobreviveu à era Saddam com um sentimento de unidade nacional. Mesmo os curdos—cujo relutante comprometimento para com a autonomia ao invés da total independência não tem perigo de mudar—comemoraram. A condição do Iraque não causou um apocalipse sectário na região. O país deixou de ser uma ameaça ao mundo e a outros de sua região. Os únicos vizinhos ameaçados pelo seu novo status são os líderes de Damasco, Riad e Teerã.
A missão no Iraque pode estar a caminho de ser cumprida, mas foi claramente imperfeita e custosa. Pelo menos 80 mil, ou até 200 mil iraquianos foram mortos desde a invasão, quase todos por iraquianos ou outros árabes (embora isso deva ser comparado com o montante de 1,5 milhão de mortos durante o reinado de 35 anos do Baath). A insurgência sunita degradou a infra-estrutura do país, resultando que os serviços públicos têm sido intermitentes na maior parte do país, e muito ruins em Bagdá. De abril a junho de 2007, o Iraque teve uma média de 12,8 horas de eletricidade por dia, e Bagdá apenas 9,2 horas. A produção de petróleo caiu 20% desde a invasão. Muitos dos profissionais do país—médicos, professores, acadêmicos—foram embora. Há muita violência sectária local, com aproximadamente um milhão de refugiados internos e outro milhão de refugiados externos desde 2003. A coalizão liderada pelos EUA perdeu quase 4.100 vidas, com muitos outros feridos. Muito dinheiro foi roubado, e parte do inestimável patrimônio histórico iraquiano saqueado. Em partes do país, a desordem local abriu oportunidades para criminosos e fundamentalistas. Muitos dos policiais são militantes xiitas, e muitas unidades são leais a milícias. Embora o aumento do efetivo militar tenha tido algum sucesso em diminuir a violência, o Iraque ainda é alarmantemente mortífero—em torno de 1.500 mortes por mês.
Entender essa cara vitória é questão de entender a violência que ainda permanece. Agora que as grandes questões do Iraque estão resolvidas—Esfacelamento?—Não. Vitória xiita? Sim. A violência fará os americanos irem embora? Não. Os iraquianos gostam de votar? Sim. Eles gostam do país? Sim—A violência iraquiana que ainda resiste é largamente local e de natureza criminal. O fato é que a violência no Iraque hoje, embora trágica, deixou de ser política, e portanto não é mais tão importante quanto já foi.
Parte da violência—aquela financiada por estrangeiros ou motivada por fanáticos islâmicos—não desaparecerá de repente. O Islã é muito forte no Iraque, e suas fronteiras são grandes e fáceis de atravessar. Mas o resto da violência no Iraque é local: brigas entre facções, vinganças, crimes e gangsterismo. Ela diminuirá bastante quando o país tiver mais alguns anos para estruturar seu aparato de segurança.
As fontes da violência política no Iraque desde a invasão podem ser divididas em quatro. A “insurgência”, a violência sunita, compreende três desses quatro elementos: Baathistas, fundamentalistas religiosos sunitas (que chamaremos de wahabitas por causa da mais importante das correntes do sunismo com as quais eles se identificam), e tribos sunitas (a quarta fonte de violência é xiita, trataremos dela logo mais). O baathismo, modelado desde seu nascimento nos anos 40 tendo o nacional-socialismo alemão como base, é um movimento secular. O wahabismo, lutando por um retorno aos tempos puros do Islã no século VII, é seu oposto. Estava claro desde o início que essas duas tendências, que hoje estão lutando entre si em grande parte do Iraque sunita, não permaneceriam juntas para sempre.
Era igualmente óbvio que nenhum deles podia vencer em sua batalha pelo Iraque. Os baathistas queriam um retorno à era de privilégios da qual desfrutavam com Saddam. Os wahabitas queriam um retorno aos dias do Profeta. Nenhum desses dois cenários está se realizando, porque 85% do país que não é árabe sunita, essas formas de totalitarismo árabe-sunita era a última coisa que eles queriam que acontecesse. O poder sunita foi quebrado pela invasão: o Iraque, finalmente reconhecendo um grupo três vezes mais numeroso que os sunitas, tornou-se um país xiita. Bagdá, cidade herdeira do posto de capital do Islã, hoje é uma cidade xiita pela primeira vez desde 1534.
Tudo isso foi previsto na primeira fase de violência, do começo da insurgência na primavera de 2004 até o bombardeio da mesquita de Samarra em fevereiro de 2006. Os baathistas, atores brutais, mas racionais, no final das contas desistiriam e sentariam para barganhar o máximo que pudessem com o caos que criaram. E os wahabitas, respondendo a uma instância maior e em sua maioria estrangeiros, continuariam a se explodir. Todos os lados reconhecem que é isso que está acontecendo agora: os wahabitas continuam a cruzar a fronteira em busca de suas setenta e duas virgens no paraíso, e os baathistas estão negociando com xiitas e americanos uma forma de entrar no esquema.
Um terceiro elemento da violência sunita era tribal. Era particularmente forte em Anbar, província no oeste do Iraque, onde as tribos sunitas tradicionalmente prosperaram através do banditismo na estrada para Damasco e onde mesmo Saddam não tinha controle total. Combater forasteiros é um velho hábito nessa região. Trata-se, afinal, de fazer dinheiro. Assim as tribos sunitas, como os baathistas, fizeram precisamente o que os observadores não-ideológicos previram no início da onda de violência. Uma vez que a resolução da administração americana e a vitória dos xiitas se tornaram óbvias, decidiram que era de seu interesse extrair o máximo possível da nova situação, de tal forma que Anbar hoje é um dos lugares mais seguros do Iraque (até a pacificação de Anbar, em torno de oitenta por cento da violência do país tinha lugar em quatro de suas dezoito províncias: Anbar, Salah-al-Din, Nineveh e Bagdá. Em nove das dezoito províncias agora praticamente não há violência). A importância do acontecido em Anbar não pode ser superenfatizada: pacificar o coração da insurgência sunita era considerado algo inatingível até a última primavera. O assassinato em setembro último de Abu Risha, líder da Despertar de Anbar, uma organização de vinte e cinco tribos sunitas que combate a Al Qaeda em Anbar, embora lamentável, não será relevante.
Sempre foi óbvio que as tribos sunitas iraquianas no final das contas se voltariam contra os sauditas, jordanianos e sírios que queriam banir o fumo, matar vendedores de bebidas alcoólicas, executar xeiques de antigas tribos e forçar garotas locais a se casar com “emires” de seu alegado “Estado Islâmico do Iraque”. Naturalmente, os líderes tribais de Anbar e os baathistas podiam ser cooptados tanto diretamente como pela promessa indireta de possuir um pedaço do que será um país rico agora que a questão básica sobre a quem pertence Bagdá está resolvida. Pelo menos 14 mil jovens de Anbar ingressaram nos serviços de segurança do governo desde que o aumento do efetivo começou em fevereiro e o primeiro-ministro iraquiano Nouri Al-Maliki começou a se comunicar com os chefes tribais.
As tribos e os baathistas também perceberam o que aconteceu em Fallujah e Ramadi: quando essas cidades ficaram fora de controle, os americanos os dobraram. Em novembro de 2004 os fuzileiros navais cercaram Fallujah, mataram todos os insurgentes (e muitos civis também), começaram a reconstruir o lugar e deixaram um eficaz cordão de segurança ao redor. Ramadi, em menor escala, foi a próxima. Agora a insurgência se retirou para outras províncias, onde ela não deseja estar. Derrotá-las lá será ainda mais fácil, como provou ser o caso em Diyala.
Os insurgentes sunitas reconheceram que fazia muito pouco sentido combater um inimigo cada vez mais forte e calejado—os EUA—que estava do lado certo do destino histórico do Iraque e tem uma liderança política que—à exceção dos britânicos em Basra—responde aos reveses com ainda mais determinação (essa é essencialmente a doutrina Petraeus: mais recursos, cada vez mais inteligentemente aplicados). Há ainda menos sentido em fazê-lo quando se é uma minoria desacreditada, como os sunitas são após 35 anos de baathismo seguidos pela desastrosa insurgência, e quando o inimigo é de fato seu principal garantidor de uma posição justa a nível nacional.
Os sunitas iraquianos não estariam precisando da ajuda dos americanos hoje se sua liderança não tivesse cometido um erro de cálculo histórico em 2004. Saddam, um homem racional, fez um compreensível, porém fatal mal julgamento sobre aqueles contra quem ele estava, e pagou por isso com seu trono e seu pescoço. Seus aliados sunitas não aprenderam com isso. Pensando que estavam lidando com a América pós-Vietnã de Carter, Reagan e Clinton, eles pegaram em armas para evitar que os americanos cumprissem a promessa de um Iraque livre para escolher seus governantes. O costume de séculos de dominação também alimentou o erro de cálculo sunita: para eles, o domínio xiita era impensável, e, portanto, a insurgência tinha que ser bem sucedida.
Na segunda metade de 2004 a insurgência teve seis meses para mostrar do que era capaz, e ficou claro que seu objetivo não podia ser a derrota militar da Coalizão. Os sunitas estavam agora lutando não por uma vitória militar, mas por uma vitória política, vencer no congresso e na imprensa americanos a guerra que eles não podiam vencer nas aléias e nos jardins de palmeiras da Mesopotâmia.
Levando em consideração a violência contra seus conterrâneos, a estratégia sunita se revelou rapidamente uma tentativa de provocar os xiitas para uma guerra civil total. Tal conflagração seria tão quente que mesmo os bushistas voltariam correndo para casa. O momento-chave dessa estratégia foi o bombardeio da mesquita xiita em Samarra. Até então, os xiitas haviam mostrado grande controle ante a torrente de provocações sunitas. As células xiitas alvejaram wahabitas e baathistas, mas em grande parte deixaram a população sunita em paz. Sob a carismática influência do Grande Aiatolá Ali Al-Sistani, seu líder religioso, os xiitas enfrentaram assassinatos em massa em mercados, ônibus e escolas de 2004 até o início de 2006 sem retaliação em larga escala. Como os principais beneficiários do novo Iraque, os xiitas só tinham a perder com uma prolongada guerra civil.
O bombardeio de Samarra pareceu por pouco tempo ser a gota d’água. Os esquadrões da morte xiitas, em sua maioria associados ao jovem clérigo Muqtada Al-Sadr e seu exército de Mahdis, por muito tempo controlados pela mão apaziguadora de Sistani, foram liberados para agir. A matança de vizinhos começou em grande parte de Bagdá e se estendeu por um ano até a Estratégia Petraeus ter início em fevereiro. Ainda continua em muitos lugares onde suas tropas ainda não estão presentes.
O mundo prendeu a respiração depois de Samarra: agora, acreditávamos nós, virá o cataclismo, a guerra civil que muitos temeram e que outros perseguiram por três anos. Mas ela jamais aconteceu. A reação xiita em partes de Bagdá foi cruel, e os sunitas foram mais ou menos expulsos de grande parte da cidade. Mas nos dezoito meses subseqüentes, está claro que os xiitas foram moderados no todo. Nunca se caracterizou uma guerra civil: sem linhas de frente ou uniformes, sem secessão, sem tentativa de tomar o poder ou impor uma mudança constitucional, sem governos paralelos, nem mesmo líderes e objetivos. Os sunitas jogaram os dados, lançaram a batalha de Bagdá e perderam. Agora eles estão apostando em uma acomodação com o Iraque xiita.
Qual a evidência disso? Neste verão, o gabinete do primeiro-ministro Maliki contactou ex-soldados do Baath e recebeu 48.600 pedidos de empregos públicos; ele arrumou lugar para 5 mil, encontrou empregos na máquina do governo para outros 7 mil e deu uma pensão para o restante. Enquanto isso os líderes do Baath disseram à Time que queriam estar no governo, a Brigada Revolucionária 1920—um grupo insurgente sunita—estaria patrulhando as ruas de Diyala com a terceira divisão de infantaria, e o Exército Iraquiano Sunita disse à Al Jazeera estar disposto a negociar com os americanos. As anedotas vindas de Bagdá confirmam a tendência. As salas de estar dos negociadores da capital estão cheias de baathistas, de chapéu na mão. Eles estão aterrorizados com os esquadrões da morte xiitas e querem partilhar da torta quando o petróleo começar a jorrar. Tanto Izzat Al-Douri, o mais prestigiado dos dois líderes baathistas, quanto Mohamed Younis Al-Ahmed, o mais letal, tem tentado conversar desde países vizinhos para negociar um acordo. Desde o verão, as notícias que chegam do fronte sunita tem todas apontado nesta única, inevitável direção.
A história xiita foi diferente. Tem havido duas principais tendências na política dos xiitas iraquianos: os pró-iranianos e os nacionalistas. O Iraque tem dois partidos xiitas tradicionalmente pró-Irã—O partido de Nouri Al-Maliki, Dawa, e o Conselho Islâmico Supremo do Iraque. Eles combateram Saddam do exílio e passaram os anos difíceis no Irã. Em oposição aos dois está o Movimento Al-Sadr, que—sob a liderança do pai de Muqtada Al-Sadr, Mohammad Sadeq, morto por Saddam em 1999—lutou contra Saddam de dentro do país e manteve seu sendo nacionalista anti-iraniano intacto. De todas essas tendências, somente o grupo de Al-Sadr se levantou para combater os americanos.
O anúncio da parte de Muqtada Al-Sadr de um cessar-fogo unilateral de seis meses em 29 de agosto foi significativo, mas não por causa das razões mais aparentes. Al Sadr de fato parou de lutar contra os americanos três anos atrás. Ele se levantou contra eles duas vezes em 2004, mas desde o fim deste segundo levante, seu exército de Mahdis focou sua violência nos wahabitas e baathistas, com freqüentes choques com outras facções xiitas. O movimento de Al Sadr é fragmentado e imaturo. Seus extremistas menos legítimos têm sido ativos na limpeza sectária. Muitos que de fato têm ligações com o movimento frequentemente trabalham fora de seu controle. Algumas dessas tendências continuam a dirigir sua fúria contra a coalizão, mas eles são insignificantes comparados com a força da verdadeira resistência Sadrista, como quem quer que esteve em Najaf ou na Cidade Saddam em 2004 pode comprovar. Desde a última primavera, as tropas americanas estão confortavelmente baseadas em Cidade Saddam—a gigantesca favela de Bagdá que é o reduto-base dos Sadristas.
Na metade de setembro, o bloco parlamentar ligado a Al-Sadr retirou seu apoio ao governo de Maliki, sem dar uma explicação ao público. Isso repete um padrão. Em abril, Al-Sadr retirou seus ministros do gabinete num ostensivo protesto contra a presença das forças da coalizão; enquanto em dezembro de 2006 ele fez a mesma coisa em protesto contra um encontro entre Maliki e Bush. Cada um desses exercícios foi pintado como o derradeiro cataclismo iraquiano, mas, nos últimos dois casos, um mês ou dois mais tarde os líderes sadristas silenciosamente voltaram a comandar os ministérios que seus subordinados haviam continuado a comandar em sua ausência. O fato de Al-Sadr ter manobrado mais politicamente do que militarmente é a melhor coisa que poderia estar acontecendo ao Iraque.
Muqtada Al-Sadr, o mais popular, bem-sucedido e importante político do Iraque, tem subscrito o progreso iraquiano rumo à política legítima desde o final de 2004. Seu senso de nacionalismo iraquiano jamais permitirá um domínio do Irã; sua postura fraternal para com as tendências sunitas pacíficas, e a amplitude e carisma de seu movimento faz de seu apoio ao projeto de reconstrução e pluralismo no Iraque o fator político mais importante no país. Os leitores de Prospect não estarão surpresos ao ler que Al-Sadr está do lado certo nas questões-chave, e que isso está ajudando o Iraque a concluir sua transição de 35 anos do assassino apartheid baathista (ver “Iraq’s rebel democrats, Prospect, junho de 2005). Desde 2004 eu tenho ressaltado que Al-Sadr, como líder do movimento mais popular da nação, tem mais a ganhar com uma política eleitoral funcional do que lutando contra os americanos que garantiram as eleições que libertaram seu povo, ou combatendo o governo iraquiano no qual ele próprio é majoritário.
Como temos notado, o cessar-fogo real de Al-Sadr começou três anos atrás. Mas ao dizer isso publicamente, de novo, que seus homens estão baixando suas armas, Al-Sadr está declarando da maneira mais inequívoca que a violência no Iraque não é mais feita em seu nome. Foguetes iranianos continuarão a matar soldados americanos e britânicos. Wahabitas sauditas continuarão a se explodir em mercados públicos, filas de emprego e mesquitas xiitas sempre que puderem. Criminosos iraquianos continuarão a atormentar suas vizinhanças atrás de dinheiro fácil, embora mesmo essa situação esteja mudando na maioria dos lugares onde o efetivo reforçado de Petraeus tem chegado. Corpos continuarão a se empilhar nas valas de Doura e no leste de Bagdá à medida que o país atravessa o último espasmo antes do fim de 35 anos de brutal domínio sunita.
Mas em termos de política nacional, não há nada mais pelo que lutar. Os únicos iraquianos que ainda lutam por algo além de um predomínio de facções ou dominação criminal são os atores irracionais do drama: os fundamentalistas sunitas, cujo número não passa de um ou dois mil homens, em sua maioria não-iraquianos. Como outros ataques wahabitas no Iraque em 1805 e 1925, esse de agora acabará em breve. À medida que o Estado iraquiano assume o controle de suas fronteiras e seus vizinhos sunitas reconhecem que um Iraque xiita deve ser aceito, o fluxo de combatentes estrangeiros e suicidas entrando no Iraque pela Síria começará a secar. Mesmo hoje, por mais que cause derramamentos de sangue, a violência praticamente não afeta o quadro geral: suicidas se explodem, dezenas de inocentes morrem, os xiitas em sua maioria se contêm e a dura rotina do Iraque segue em frente.
No começo de setembro, Nouri Al-Maliki disse: “talvez nós divirjamos dos nossos amigos americanos em matéria de tática... Mas minha mensagem a eles é de apreciação e gratidão. Para eles eu digo, vocês devem libertar um povo, trazê-lo para o mundo moderno... Nos acostumamos a ser dizimados e mortos como gafanhotos nas guerras intermináveis de Saddam, e agora nós viemos para a luz”. Aqui está uma eloqüente resposta para a pergunta sobre quando as tropas americanas deixarão o Iraque. Elas deixarão o Iraque quando os iraquianos, através de suas lideranças eleitas, disserem que elas devem ir. De acordo com uma pesquisa em setembro, 47% dos iraquianos gostariam que os americanos fossem embora. A surpresa é que não são 100%. Quem, afinal de contas, não gostaria de ver seu país livre de tropas estrangeiras? Mas se os iraquianos quisessem ser governados por pesquisas de opinião, eles teriam escrito isso em sua constituição. Ao contrário, eles escolheram, como a maioria das pessoas faz quando têm escolha, um governo representativo.
Agora que o resultado da guerra do Iraque está decidido, um argumento comum ouvido no Capitólio e em todo lugar consiste em uma objeção moral: quanto mais tempo permanecermos lá, menos os iraquianos se sentirão incentivados a agirem por si mesmos. Eles não conseguirão se reconciliar ou se tornar capazes de manter a ordem em seu próprio país porque os Estados Unidos está fazendo isso por eles.
Esse raciocínio presume que a elite iraquiana não está fazendo nada. Isso é absurdo. Com que base se presume que o governo iraquiano está falhando em promover a reconciliação política? Parte da minoria de 15% do país impôs um reinado de terror de 35 anos, com mais quatro de uma sangrenta e malograda tentativa de trazer as injustiças históricas para a nova era, e agora os outros atores não querem considerar esse fracasso como uma vitória. Em uma base partidária, a coalizão que governa o Iraque representa 85% da população, praticamente todo mundo à exceção de alguns sunitas: a Dawa Xiita, SIIC, os sadristas e outros; os partidos curdos KDP e PUK; e vários sunitas seculares e moderados. A nível local, o governo está chegando aos sunitas. Recursos federais estão chegando a Anbar e em Bagdá trinta mesquitas sunitas foram reabertas, mais da metade delas no leste xiita. Apesar de todas as compreensíveis reclamações dos iraquianos sobre corrupção, a coalizão, serviços públicos e segurança, o governo de Maliki ganharia outra ampla maioria se as eleições fossem amanhã.
Os sunitas têm três preocupações específicas: o dinheiro do petróleo, federalismo e a desbaathificação. Sobre o petróleo, as receitas já estão sendo compartilhadas entre as províncias e, para agradar aos americanos, uma lei de compartilhamento das reservas será provavelmente aprovada nos próximos seis meses. Sobre o federalismo, o princípio da autonomia regional está inserido na constituição, os sunitas se beneficiarão dele por poderem cuidar de seus próprios assuntos, e todos os demais se beneficiarão por se evitar uma repetição do pesadelo baathista de um governo central forte, quando um arranjo ainda pior vigorou por três séculos de dominação otomana. Sobre a desbaathificação, uma nova lei este outono restaurará pensões e acesso a empregos para todos, menos os 1.500 baathistas que compunham a cúpula de Saddam Hussein, quase todos dos quais estão na prisão ou exilados na Síria e na Jordânia.
A outra parte da objeção moral diz respeito à segurança: se provermos segurança aos iraquianos no lugar deles, eles jamais farão isso por si mesmos. Isso é igualmente incorreto. Primeiro, os iraquianos estão cada vez mais provendo sua própria segurança. Segundo, Maliki e seus companheiros conduzem um governo eleito. Eles são sujeitos ao julgamento do povo a cada dois anos. Eles têm todas as razões para tentar o máximo possível acabar com a embaraçosa confiança nos forasteiros. Seria inconseqüente apostar no Iraque, de todos os lugares, se tornando o primeiro Estado islâmico no Oriente Médio a não conseguir um monopólio básico sobre a violência dentro do próprio país.
O argumento desse artigo—que, com nada mais a resolver em termos de violência política, os iraquianos podem agora usufruir à vontade da riqueza do petróleo—é baseado em duas premissas: o reconhecimento por parte dos sunitas do fracasso de sua insurgência e a necessidade de se atingir uma acomodação com o novo Iraque, e uma conjunção de interesses entre a coalizão de um lado e os curdos e xiitas do outro.
Tornamos-nos muito familiarizados com o general Petraeus e os controversos números de sua operação. A estratégia americana reflete os fenômenos que descrevi? Os americanos jamais discutiram a respeito. Mas lendo nas entrelinhas, o pensamento americano de fato parece concordar com as conclusões desse argumento, se não com suas premissas. Petraeus já anunciou as primeiras retiradas de fuzileiros e tropas para setembro e dezembro, respectivamente. Seu superior, secretário de defesa Robert Gates, espera anunciar uma retirada de 60 mil homens no próximo ano. Bush também está prometendo cortes. Esses planos são um reconhecimento de que o trabalho a ser feito no Iraque está rapidamente se tornando mais uma questão de polícia iraquiana do que uma guerra americana.
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